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02/08/2018
Organização do sistema escolar pode contribuir para reduzir ou aumentar desigualdades, destaca coordenador do Insper

 

Interessado em entender a desigualdade social no Brasil, o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho, tem dedicado boa parte do seu tempo de pesquisa em encontrar caminhos para melhorar o sistema educacional no país, desde a década de 1980, quando se graduou em Economia pela Universidade de São Paulo (USP). Para ele, a gestão desse sistema pode contribuir para reduzir ou aumentar a distância entre ricos e pobres.

Menezes Filho coordenou o estudo O desempenho da Rede SESI e das demais redes de ensino para entender fatores que contribuíram para os alunos da instituição estarem entre as melhores notas da Prova Brasil. Em entrevista à Agência CNI de Notícias, o professor do Insper destacou que as escolas do Serviço Social da Indústria (SESI) vêm conseguindo amenizar a influência da baixa escolaridade de mães no desempenho das crianças e adolescentes na escola. 

“A gestão e, possivelmente, a qualidade do professor estão fazendo a diferença para que essas escolas consigam resultado melhor mesmo comparando alunos cujas mães têm a mesma escolaridade”, destaca. Confira a entrevista na íntegra:

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O que chamou sua atenção no estudo que coordenou recentemente para comparar a qualidade da educação da rede SESI com as redes estadual, municipal, de escolas técnicas federais e privadas?

NAERCIO MENEZES – Concluímos que o desempenho das escolas da rede SESI é muito bom, superando, inclusive, o desempenho médio das escolas privadas no quinto ano do ensino fundamental, mesmo levando em conta a escolaridade da mãe e outros fatores, como as condições socioeconômicas dos alunos. Isso significa o seguinte: comparando os alunos com mães com a mesma escolaridade, as escolas da rede SESI têm o desempenho superior às demais escolas privadas no ensino fundamental. Isso é um exemplo do chamado “efeito escola”, ou seja, a gestão e outros fatores, tais como a qualidade do professor, estão fazendo a diferença nas escolas do SESI.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – As escolas da rede SESI podem servir de modelo, sobretudo às escolas da rede pública, na implementação de um sistema de educação de qualidade?

NAERCIO MENEZES – Acho que sim, principalmente no  quinto ano do ensino fundamental. Seria importante para a sociedade se o SESI conseguisse transferir a tecnologia de gestão aplicada nas escolas que são bem-sucedidas para a rede pública, que atende muito mais alunos em todo o país. O que mais precisamos no Brasil é melhorar o aprendizado dos nossos alunos. Temos uma parcela muito grande dos estudantes que não sabem ler nem escrever mesmo no terceiro ano e que chegam no ensino médio com conhecimento muito ruim de Matemática. Então, se pudermos aprender com as experiências exitosas e utilizá-las nas escolas públicas será muito importante e positivo.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Que fatores são cruciais para se elevar a qualidade da educação no Brasil?

NAERCIO MENEZES – Hoje é preciso focar na gestão. Nos últimos 20 anos, os recursos para a educação aumentaram bastante e isso foi positivo, porque tivemos de incluir muita gente que estava fora da escola, principalmente no ensino médio. Nesse segundo momento, acredito que o foco deve ser na melhor utilização desses recursos, quer dizer, conseguirmos o melhor resultado para cada real que se investe em educação. Para isso, é preciso ter medidas para mensurar o desempenho dos alunos, avaliar os alunos de todas as redes, aumentar o número de horas-aula, cobrar melhor desempenho de diretores de escolas, avaliar o desempenho dos professores, entre outras medidas de gestão que deram resultados nas redes que mais se destacaram ao longo do tempo.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como fazer essa transformação na gestão de escolas em um país continental como o Brasil?

NAERCIO MENEZES – O Brasil é caracterizado pela descentralização da educação. Temos cerca de 5.500 municípios, cada um com a sua rede, além dos 27 estados, cada um com sua rede também. O governo federal não vai conseguir melhorar individualmente a gestão escolar de cada município. O governo federal deve apontar a direção da reforma, que medidas as evidências mostram que melhoram o desempenho dos alunos e o que as redes têm de fazer. Além disso, o governo deve assessorar as redes para colocar em prática essas práticas educacionais. Para isso, é preciso que os governadores e prefeitos e os secretários de educação estejam alinhados com esses objetivos, que eles estejam realmente interessados em melhorar a nota de seus alunos e dispostos a comprar briga com os movimentos corporativistas para adotar medidas que tenham impacto nas notas.

À medida que prefeitos e secretários de educação, em cidades pequenas principalmente, queiram melhorar a qualidade da educação e estejam alinhados, o governo federal pode liderar uma prática de cooperação entre essas redes, inclusive entre os estados e seus municípios, para colocar em prática essas políticas que melhoram o desempenho.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como o senhor avalia a atual reforma do ensino médio e quais os desafios para sua implementação?

NAERCIO MENEZES – A reforma do ensino médio é importante porque temos uma evasão muito grande. Uma grande parcela dos alunos que começa o ensino médio não termina e isso é negativo porque eles precisam concluir a educação básica para entrar no mercado de trabalho de forma mais qualificada, conseguir emprego no setor formal e ter um bom salário. Essa reforma procura ter diferentes itinerários aos alunos. Depois de um ano e meio com as disciplinas básicas, o estudante pode escolher se fará a educação profissional ou se focará mais exatas ou humanas, por exemplo. Isso é importante já que muitas vezes o aluno perde o interesse quando ele tem de cursar diversas disciplinas ao mesmo tempo.

É importante se dar opções aos alunos, principalmente aos mais velhos. Agora o desafio está no modo como o modelo será implementado. Não se pode ter, por exemplo, escolas mais pobres em que só se pode cursar a educação profissional e escolas ricas com muitas opções porque, assim, cria-se uma estratificação e desigualdade. A reforma vai na direção correta, mas tem de ter muito cuidado na sua implementação, para que em cada escola de ensino médio do Brasil sejam ofertadas todas as opções de itinerários. Também é importante fazer uma regulação do sistema e entender quem vai certificar os cursos de educação profissional.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como se ajustar as metas de ajuste fiscal com investimentos necessários em educação?

NAERCIO MENEZES –
 Já aumentamos bastante os recursos para a educação. Se formos verificar os gastos por aluno no ensino médio, eles triplicaram nos últimos 20 anos e estamos gastando um nível razoável em proporção do PIB. A PEC do teto dos gastos deixa claro que os recursos com educação não podem diminuir, mas não necessariamente vão aumentar. Se mantivermos o mesmo nível de gastos de educação, o custo por aluno tende a aumentar ao longo do tempo porque o número de estudantes vem diminuindo por causa da transição demográfica. Acredito que esse volume de recursos é suficiente para conseguirmos um bom resultado desde que melhoremos a gestão, ou seja, que implementemos práticas que melhorem a educação.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Uma questão que constantemente entra na pauta para a melhoria do sistema educacional é a valorização dos professores e, como principal medida, o aumento de salário. Acredita que essa questão é realmente central ou há outras formas mais efetivas de se valorizar esses profissionais?

NAERCIO MENEZES –
 O que traz mais reconhecimento ao professor é ver seus alunos aprenderem. Se for lá em Sobral (CE), por exemplo, onde temos as melhores notas do país, a população tem alta consideração pelos professores. Eles são vistos como pessoas especiais porque os pais têm consciência que seus filhos são pobres e não teriam condições de terem bom desempenho sem o apoio adequado. Os alunos do quinto ano de Sobral sabem mais matemática do que os da Europa. Com isso, os pais ficam felizes e valorizam o professor.

É lógico que é necessária uma remuneração decente, inclusive para atrair os melhores profissionais, mas não é só isso. Se você conseguir ter as práticas adequadas, uma boa gestão e infraestrutura boa para produzir o seu resultado e ver seus alunos aprendendo, nada traz uma recompensa maior ao professor do que isso. Até os alunos ficarão mais tranquilos, sem fazer muita bagunça. Uma coisa que traz muito desgaste para o professor é a indisciplina, o desinteresse dos estudantes. À medida que se cria um clima favorável ao aprendizado, todos ganham e o professor se sente mais valorizado. 

 

Por: Maria José Rodrigues
Foto: Carlos Moura
Da Agência CNI de Notícias